ESPERANÇA E CAMINHOS EM TEMPOS DE FRANCISCO.
Ir Annette Havenne,
ISM.
1. Memória
dos nossos passos no processo da assembleia.
Nós fomos às fontes da nossa
esperança com a profunda interpelação do lema: “Vejam: estou fazendo coisas
novas” Is 43, 19.
Agora nossa equipe esta
pedindo olhos novos para enxergar o que esta brotando... Pois como todos sabem,
enxergar é um processo seletivo: escolhemos enxergar o novo!
Isso é coisa de místico,
engajado numa mística de olhos abertos!
Isso também é coisa de profeta,
que indica caminhos... Em particular é coisa de profeta dos tempos de crise.
Quando os poucos caminhos se fecham, ele levanta a esperança do povo com setas
que abrem mil novas trilhas. E já aprendemos que nós não podemos separar a
mística e a profecia, já que seus sangues se misturam em nosso carisma de
consagrad@s.
Para mim, é muito
significativo que essas palavras proféticas do “Segundo Isaias”, como é
chamado, sejam atribuídas pelos exegetas a levitas exilados no meio do povo, na
Babilônia. Não levitas decadentes, reduzidos a arquissacristãos do templo,
daqueles que passam ao lado das pessoas acidentadas sem se comover, mas levitas
centrados em sua vocação, precursora da nossa: sem patrimônio porque Javé é sua
parte de herança e a missão deles é estar presentes na itinerância, para cuidar
do povo!
Ora, cuidar do povo, em tempos
de crise e de caos, significa: levantar sua esperança, apontar
sinais de vida, indicar trilhas que encaminhem o povo de volta para sua terra,
sua casa, sua fé!
Há uma esperança sim, porque
Deus faz coisas novas, somente Ele pode fazê-las.
Mas nós devemos nos dispor
para travessias, para arriscar, abrir e seguir novas trilhas.
A Palavra dos profetas do
exílio nos oferece duas certezas. Não científicas, mas vindo do
saber-sabor-sabedoria que brota do coração conectado com a Palavra: como será
nosso futuro?
Será
no deserto!
Não
faltará água!
É o suficiente para avançar por novas trilhas,
corajosamente!
2. Convite
a tomar atitude!
Jovens ecoaram os gritos e as
percepções das novas gerações, o irmão Murad colocou novos sinais diante dos
nossos olhos. Parece que a mim cabe, pelo menos é o que me diz minha intuição,
impulsionar a VC para tomar atitude, atitude profética!
Não basta constatar: “É, isso
provavelmente é o caminho”, é preciso se por em marcha, enfrentar com
estilo! O que nos caracteriza como VC não é tão somente quem somos, o
que fazemos, é a força do como o fazemos, do estilo de viver o
seguimento missionário de Jesus, em comunidades de vida, de fé, de profecia.
Viver de tal modo que nossas pessoas, comunidades e ações sejam amostras grátis
do amor misericordioso de Jesus!
Se a essência do evangelho é: novas
relações são possíveis, entre nós, com Deus, com o cosmo... até com a
nossa própria pessoa, então já pensou na originalidade bombástica de escolher
viver em comunidades de fé, resgatando a prioridade das relações e expandindo
isso no meio do povo, por meio do carisma... a começar pelos últimos?
No ano da VRC o papa Francisco pedia numa oração:
“Infundi Senhor, nos consagrados e
consagradas,
a bem aventurança dos pobres
para que caminhem nas sendas do Reino.
Dá-lhes um coração consolador
para que enxuguem as lágrimas dos últimos.”
Por isso desejo me colocar de
pé, aqui e agora, e olhar o mundo com os olhos de uma mulher pobre, já
bem vivida, mas resiliente porque movida a mística, a missão, a misericórdia.
Uma mulher esperançosa, não porque que seus projetos vão dar certo, mas porque
ela tem muita vida para partilhar! Porque ainda é capaz, como Isabel, de gerar
na velhice, de acolher e confirmar o sim trêmulo das novas gerações,
impulsionando-as a cantar seu magnificat! Como uma mulher pobre e esperançosa
olha para os sinais de vida que foram levantados? É o que vou tentar dizer
agora!
3. Retomando
setas que indicam caminhos no deserto.
Indicarei sete trilhas e darei
para cada uma um exemplo vivencial de como tomar uma atitude que creio, ou pelo
menos estou intuindo seja profética.
1)
O carisma da VC como tal e não a
preocupação doentia com o marketing vocacional para a sobrevivência da nossa
congregação. O mais urgente aqui, diante da sombra da pedofilia desacreditando
o rosto da Igreja, é recuperar o brilho do celibato livremente
escolhido “para estar lá para todos” na gratuidade de relações autênticas. Não
que haja uma relação de causa a efeito entre celibato e pedofilia, mas é
antídoto e profecia frente a tamanha deturpação nas relações. É tarefa principalmente para nós mulheres
consagradas, entre nós e no apoio ao celibato dos nossos irmãos religiosos!
Ø Em pleno campo de concentração onde iria
morrer dentro de poucos dias, Edith Stein colocava as crianças no colo e
penteava seus cabelos porque as mães não tinham mais coragem de fazê-lo. Santa
Edith Stein, Benedita da cruz, seta a indicar gestos de esperança.
2)
O resgate da ecologia, sobretudo nas
suas dimensões social, espiritual e integral. A VRC precisa fica atenta a o que
polui o santuário interior das pessoas e suas relações.
Ø Encontrei Ana Luiza em Salvador da Bahia,
tive a alegria de partilhar um almoço com ela. Ela tem 8 anos, é muito tímida e
disse-me que queria ser psicóloga. Quando indaguei o que ela faria então ela
disse: as pessoas vão me falar, e eu vou escutar e não poderei dizer a ninguém
o que falaram e elas vão ficar bem. Ana Luiza, seta a intuir o modo-de-ser-cuidado
e não apenas o modo-de-ser-trabalho.
3)
O cuidado com os mais vulneráveis,
dentro e fora da comunidade. Porque este é nosso carisma fundacional, nos
gritos específicos que fundadores e fundadoras ouviram e atenderam. Porque é o
bioma, o ecossistema em que nascemos!
Ø As irmãs da minha congregação da província
do Ruanda decidiram oferecer seus serviços num campo de refugiados na África do
Leste. Resposta dos responsáveis pelo
campo: “Irmãs, já temos gente para organizar, mas por favor, fiquem cuidando
dos mais vulneráveis: crianças e idosos! ” Minhas irmãs da África, seta a
lembrar a nossa opção preferencial como VRC.
4)
A reafirmação do nosso ser apostólico como itinerância
na leveza. Não a zona de conforto, ao seguro que morre de velho, a
instituição pesada que ofusca o brilho do carisma.
Ø Nos momentos de terremoto, epidemias ou
guerras, temos os “Médicos sem fronteira”. Porque não temos mais equipes
intercongregacionais de “Freiras sem fronteiras”? Quem escuta a angústia das
mães - só no Nordeste são mais de mil - que estão com um bebe vítima da
microcefalia nos braços? Médicos sem fronteiras, seta a perturbar nosso
comodismo.
5)
A confiança nas novas gerações da VRC. Só
há futuro para a VRC se houver, entre suas várias gerações, apreço mútuo e
apreço pelos valores identitários e não apenas apego ou rejeição em relação a
rotinas obsoletas.
Ø Eis um sonho contado por uma jovem
religiosa, durante um retiro: “Havia acontecido um terremoto. O grupo estava
preparando um plano de ação para socorrer os sobreviventes. Tratava-se de
ajudar quem aparecesse sem buscar por ninguém, nem ir atrás de membros da nossa
família. Eu era a mais jovem e estava lá para aprender, pois nunca tinha sido
socorrista. Mas eu me angustiava porque éramos poucos... também achava absurdo
o modo de agir! Achava que deveríamos sair, e ir ao encontro deles antes que
seja tarde! Queria brigar por outro plano, usar o carro, meios de comunicação!
Fiquei angustiada até o momento que partilhei o sonho e entendi melhor o que se
passava em mim! ” Clara expressão da sua vocação, do seu desejo fundante, mas
também questionamento e angústia diante do modo de fazer dos mais
“experimentados”! Jovens religiosos e religiosas, seta a nos gritar: outro
jeito de estar em missão é urgente!
6)
A solidariedade com as mulheres e crianças traficadas.
Que importância damos ao trabalho da rede “Um grito pela vida”?
Ø Durante a novena da padroeira, a irmã Joana,
para questionar o povo, colocou uma jaula na praça da catedral, com o material
da campanha “Um grito pela vida”. Duas aspirantes se ofereceram para sentar na
jaula, amordaçadas. O povo olhava e dizia: que bonito, as meninas das irmãs
tomaram o lugar das mulheres traficadas! Empatia entre mulheres consagradas e
mulheres abusadas ou em situação de risco, seta a nos desafiar para uma nova
solidariedade.
7)
Simplicidade voluntária. Estamos
dispostas a ressignificar o mal chamado voto de pobreza para adotar um estilo
de vida pautado a descomplicação, simplificação exterior, mas também interior,
decidindo viver simples para que outros simplesmente possam sobreviver e Deus
possa nos invadir? Isso é a raiz da alegria genuína, aquela que nos faz passar
do prazer de consumir ou de ser bem sucedid@s para o entusiasmo de se envolver
na missão, de descobrir novas trilhas, de ler sinais com olhos pascais, de
enxergar finalmente que vale a pena viver em comunidades de consagrad@s,
discípul@s missionári@s!
Ø O exemplo final será a poesia-parábola do
caroço de manga:
“Plantei um caroço de manga. Quebrei sua
casca dura e o enterrei.
O caroço reclamou, chorou, sentiu medo.
Mas a terra o embalou dizendo: Não se
preocupe: você vai morrer!
Mas há vida em você, você vai dar um novo pé
de manga! ”
Caroço de manga:
seta que nos convida a uma conversão profética: quebrar a casca dura do
coração, acreditar em novas germinações!
“Eis
que faço coisas novas, será no deserto, mas não vos faltará água!
Vocês
estão enxergando o que eu faço com fé e com olhos pascais?”
AGE, 13 de julho de 2016
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