Durante a 24ª Assembleia Geral Eletiva da CRB
Nacional, que aconteceu em Brasília de 11 a 15 de julho, o Núncio Apostólico do
Brasil, dom Giovanni D'Aniello, presidiu uma das Celebrações Eucarísticas.
Na ocasião, parafraseando o Papa Francisco, ele
recordou a profecia, a proximidade e a esperança como elementos básicos para na
Vida Consagrada. "Cada um de vós é chamado a servir os irmãos, seguindo o
próprio carisma; alguns com a oração, outros com a catequese, alguns com o
ensinamento, outros com o cuidado aos doentes ou aos pobres, alguns anunciando
o Evangelho outros cumprindo as diversas obras de misericórdia. É importante
não viver para si mesmo, assim como Jesus não viveu para si mesmo, mas para o
Pai e por nós". Leia a íntegra da homilia.
24ª Assembleia Geral Eletiva da CRB
CRB, Brasília, 12 de julho de 2016
+ Giovanni d'Aniello
Homilia da Missa
Eminência,
Excelências,
Reverenda Irmã Inês, presidente da CRB,
Queridos religiosos e religiosas,
Caros irmãos e irmãs em Cristo
Primeiramente, quero agradecer a Deus por ter-me
propiciado este momento e viver com vocês esta liturgia eucarística no início
de seus trabalhos, durante os quais escolherão a nova presidência da
Conferência dos Religiosos do Brasil. Desde já confio nos braços de Nossa Mãe
comum, a Virgem Maria, suas reflexões e decisões para a escolha daqueles que
deverão lhes acompanhar durante o próximo mandato.
Quero também agradecer de coração à Presidente da
CRB, Irmã Maria Inês, e toda a Presidência, por ter-me convidado a presidir
esta Eucaristia e, assim, viver com vocês um verdadeiro momento de comunhão e
unidade. Comunhão e unidade em Cristo, em sua Igreja e com o Santo Padre
Francisco na pessoa de seu Representante aqui no Brasil.
Na Liturgia da Palavra deste dia, nossa atenção
recai sobre o discurso aparentemente consternado pronunciado por Cristo, diante
das três cidades, Corazim, Betsaida e Cafarnaum, em reconhecer os sinais e
prodígios realizados por ele, não obstante terem testemunhado sua manifestação.
Os habitantes de tais cidades se recusam a
reconhecer as obras de Jesus como sinais de Deus, e se recusam a reconhecê-lo
como o Messias anunciado. O discurso em tom desolado de Jesus, portanto, não
pode ser outro senão der censura às cidades que, justamente, foram as que
presenciaram o maior número de milagres. Era de se esperar que a pregação de
Jesus, corroborada pela manifestação do seu poder divino, suscitasse a
conversão de seu povo, o qual, não só se fecha à iniciativa de Deus revelada na
pessoas de Cristo, como também o rejeita.
A censura de Jesus às cidades, expressa pelas
interjeições "ais", contrapõe-se às bem-aventuranças, dirigidas
àqueles que acolhem seu Evangelho e passam a moldar a própria vida nele
embasados. De nada teria valido o anúncio dos profetas, as reinteradas
confirmações da Aliança de Deus com seu povo, que diversas vezes cedeu às
seduções da idolatria ao invés da adesão e compromisso com a vontade de Deus. É
a mesma recusa do povo em relação ao seu Deus que se constitui no seu próprio
juízo condenatório; por isso, também podemos entrever a tristeza de Jesus, não
pela rejeição em si, mas pela objeção obstinada à iniciativa amorosa de Deus em
vista da salvação de seu povo.
É a história da absurda presunção humana; após a
queda e a experiência do pecado, o ser humano é constantemente seduzido a
confiar nas próprias forças, ou ainda, "a ser como Deus", fazendo
ídolos que satisfaçam a "própria imagem e semelhança". Às vezes, esta
postura pode até mesmo se disfarçar daquelas preocupações do muno que, afinal,
servem apenas para nos distrair das coisas do céu e desviar o nosso olhar da presença
do Senhor. Por isso, enquanto houver vida, há sempre a possibilidade de
convertermos a nossa mente e coração ao Senhor, cujo desejo é a nossa salvação;
seu convite jamais cessa, ele continua a comunicar a nós sua vontade salvífica,
estejamos certos disso! Contudo, seu anúncio é, ao mesmo tempo, constante e
iminente, não adiemos nossa resposta.
Na presença do Senhor, como estamos todos agora,
temos que reconhecer que muitas vezes nós também, pessoas consagradas a Deus,
agimos da mesma forma que o povo de Israel.
Ressoa-me no ânimo a mensagem que o Papa
Francisco dirigiu aos Religiosos, palavra que ele mesmo deixou que brotassem do
seu coração. Falando aos religiosos em São Pedro em primeiro de fevereiro deste
ano, por ocasião do Jubileu da Misericórdia, o Santo Padre Francisco fixou sua
atenção sobre três palavras: profecia, proximidade e esperança.Vocês todos
lembram muito bem daquele discurso, mas permitam-me inspirar-me nele nas
reflexões que humildemente lhes dirijo agora, como seu irmão na fé.
A primeira palavra, a profecia, lembrava o Papa
Francisco, é o seu específico. Somos chamados, como bem sabem, a anunciar,
diria mais com a nossa vida do que com palavras, a realidade de Deus, Deus que
se fez homem e deixou-se pregar numa cruz para nos dar a vida eterna. É um Deus
que se mostra "compassivo e misericordioso, cheio de paciência e de
amor" (Sl 103,8). É este Deus que devemos fazer conhecer e, para fazê-lo,
é necessário, dizia o Papa Francisco, "ter com Ele uma relação pessoal; e
por isso é preciso a capacidade de o adorar, de cultivar dia após dia a amizade
com Ele, mediante o colóquio coração a coração, na oração, especialmente na
adoração silenciosa". A oração, então, torna-se o instrumento mais eficaz
para ser paciente como Deus foi paciente para conosco. Ela nos permite
tornar-nos homens e mulheres consagrados ao serviço do Senhor que percorrem na
Igreja este caminho de pobreza forte, de amor casto, que os leva a uma
paternidade e a uma maternidade espiritual por toda a Igreja, uma obediência.
Esta obediência é chamada a ser "não militar, porque seria
disciplina", como dizia o papa; ela tem que ser obediência de doação do
coração.
A profecia, então, como lembra o Papa, "é
anunciar às pessoas que existe um caminho de felicidade, de grandeza, uma via
que te enche de alegria, que é precisamente a estrada de Jesus. É a estrada de
estar próximo de Jesus".
A outra palavra é proximidade. Chamados a
segui-lo, autenticamente, temos que ser, como Jesus, próximos das pessoas,
compartilhar as suas alegrias e as suas dores; mostrar, com o nosso amor, o
rosto paterno de Deus e a carícia materna da Igreja.
"Que nunca ninguém – exortava o Papa
Francisco – vos sinta distantes, destacados, fechados e, portanto, estéreis.
Cada um de vós é chamado a servir os irmãos, seguindo o próprio carisma; alguns
com a oração, outros com a catequese, alguns com o ensinamento, outros com o
cuidado aos doentes ou aos pobres, alguns anunciando o Evangelho outros
cumprindo as diversas obras de misericórdia. É importante não viver para si
mesmo, assim como Jesus não viveu para si mesmo, mas para o Pai e por
nós".
A última palavra é a esperança. Como testemunhas
autênticas e credíveis de Deus e de seu amor misericordioso, com a graça de
Cristo, podemos e devemos infundir esperança nesta nossa humanidade marcada por
diversos motivos de ansiedade e temor e, por vezes, tentada ao desânimo. A isso
fomos chamados e por isso fomos escolhidos, para fazer sentir, como dizia o
Santo Padre, "a força renovadora das bem-aventuranças, da honestidade, da
compaixão; o valor da bondade, da vida simples, essencial, cheia de
significado".
Mas, tudo isso, podemos realizá-lo somente
através da obediência e vivendo-o na comunhão.
Quanto à obediência, constatamos que em Jesus,
que nos convida a imitá-lo, ela ocupa um lugar central em sua obra redentora.
Em nossa geração atual, o despojamento de si e a humildade são muito difíceis
de serem vividas, pois reivindica-se sempre maior autonomia, buscando
satisfazer os anseios da própria imaginação. Sem esquecer, obviamente, o protagonismo
que, infelizmente, toma conta de vários de nós, gente de Igreja. Não é possível
imaginar uma vida religiosa sem a obediência que, no fim, consiste em
sacrificar a própria vontade por amor e que, por isso, produz sempre frutos
abundantes de salvação para o mundo.
Como dizia o Papa São João Paulo II, para crescer
na vida espiritual, é preciso repartir da contemplação da face de Cristo e de
uma profunda espiritualidade de comunhão. Isso nos permitirá reconhecer a
Cristo na face de nossos irmãos e irmãs, nos pobre, nas crianças, nos
marginalizados; dessa forma, nossa vida interior poderá estabelecer uma
profunda relação de amizade com Jesus, relação que crescerá ainda mais na
Eucaristia, onde se realizará plenamente a configuração em Cristo, para a qual
todos os consagrados são chamados (cf. São João Paulo II. Recomeçar a partir de
Cristo, n.26).
Em segundo lugar, é preciso esforçar-se para
viver uma vida sempre mais orientada para a santidade. Como dizia o Papa São
João Paulo II, a santidade é a primeira das necessidades pastorais de nossa
época. É uma exigência ainda mais urgente para todos os que Deus chamou para
servi-lo mais de perto.
Diante dos desafios que a sociedade de hoje nos
apresenta, não devemos esmorecer, pois temos consciência de que nossa perseverança
e a evolução de nosso compromisso apostólico se realizam na comunhão com Deus.
Por isso, qualquer atividade, por mais urgente, não nos deve afastar da
prioridade espiritual que orienta o mandato apostólico recebido.
Portanto, em suas vidas, deem um lugar primordial
à vida espiritual. O próprio Deus é quem deve ocupar o primeiro lugar, não as
obras, por mais úteis e necessárias que sejam.
Oração e Eucaristia permitirão alcançar uma
verdadeira espiritualidade de comunhão que, por sua vez, fará de nós peritos em
comunhão e, portanto, autênticas testemunhas do amor.
E comunhão significa unidade, não somente na
própria comunidade, entre as diferentes Congregações e Institutos, mas também
com a Igreja, em sintonia com os bispos, chamados por Deus mesmo, a ensinar,
guiar e santificar, para que o mundo saiba que somos uma única família, com um
único Pai, onde todos são irmãos e irmãs em Cristo: uma família cujos membros
bebem da mesma fonte, comem do mesmo pão, seguem o mesmo caminho, falam a mesma
linguagem, proclamam a mesma mensagem, anunciam e vivem o mesmo amor.
O amor, este sentimento que nos trouxe a redenção
através do Cristo, é a finalidade de nossa evangelização, a fim de anunciar o
Evangelho, servir à vida e propagar a verdade. Somente assim poderemos
realmente tornar-nos "um sinal eficaz e uma força de atração que levam a
crer em Cristo" (RdC, n.33). E viver uma identidade mais profunda: ser a
manifestação do amor de Deus no mundo. (cf. VC, cap. III).
Sem dúvida, a Igreja hoje necessita prosseguir na
contínua proclamação da fé, mediante um testemunho coerente e alegre do
Evangelho, pois, como afirma a Evangelii nuntiandi, n. 41: "Será pois,
pelo seu comportamento, pela sua vida que, antes de mais nada, a Igreja há de
evangelizar este mundo; ou seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao
Senhor Jesus, testemunho de pobreza, de desapego e de liberdade frente aos
poderes deste mundo, numa palavra, testemunho de santidade."
Nesta celebração eucarística, enquanto agradeço a
Deus pelo testemunho generoso e, por vezes, corajoso, de sua vida e de seu
serviço apostólico quero pedir a Deus que continue acompanhando, dando-lhes
abundantes graças divinas para que sejam sempre testemunhas autênticas de Sua
Palavra e realizem constantemente o pedido que Ele fez ao Pai antes de deixar
este mundo: "Ut unum sint"; para que todos sejam um.
A unidade de Sua Igreja, em todas as suas
componentes (bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas, leigos) foi a herança
que Cristo nos deixou: a nós, a tarefa de encarná-la e vivê-la todos os dias,
em todas nossas vidas e ações, para que o mundo acredite que "somos um
como nós Pai, somos um".
Termino esta homilia, fazendo minhas as palavras
que lhes dirigiu o Santo Padre Francisco no encontro de fevereiro deste ano:
"Queridos irmãos e irmãs, no vosso apostolado quotidiano, não vos deixeis
influenciar pela idade nem pelo número. O que mais conta é a capacidade de
repetir o "sim" inicial da chamada de Jesus que continua a fazer-se
sentir, de forma sempre nova, em cada fase da vida. A sua chamada e a nossa
resposta mantêm viva a nossa esperança. Profecia, proximidade e esperança.
Vivendo assim, tereis no coração a alegria, sinal distintivo dos seguidores de
Jesus e com maior razão os consagrados. E a vossa vida será atraente para
tantas e tantos, para a glória de Deus e para a beleza da Esposa de Cristo, a
Igreja".
Deixo-lhes o meu agradecimento sincero e profundo
por aquilo que são e fazem na Igreja e no mundo. Desejando que os trabalhos
destes dias sejam frutuosos. De coração, abençoo-os e os confio nos braços de
nossa Mãe celeste. Amém.
+Giovanni d'Aniello
N. Ap.
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